e eu pude, enfim, chorar.*

Herculano diz-nos que eurico vagava pelos alcantis rochosos nas horas mortas. Só o mar e o vento, expressões sublimes de deus, podiam acalmar o herói romântico perante o caos em que se tornou o mundo. Quem hoje é cristão e godo nesta terra de espanha, perguntava o gardingo, e concluía que uma geração degenerada pisava os restos dos heróis de antigamente.

Dantes, os príncipes, os sacerdotes, os juízes, os homens livres iam buscar a sanção da sabedoria e aferir-lhe a utilidade comum. Hoje só retumba o ruído das festas e a embriaguez dos banquetes. A cobiça assentou-se no lugar da equidade, continua eurico, a lei é a vontade do desonrado vencedor de pelejas domésticas e a liberdade é uma palavra mentida.

Eurico, o nosso eurico, de quem herculano leu séculos mais tarde as palavras dispersas pelos manuscritos e as copiou para um romance histórico que pouco a pouco se vai tornando ele mesmo um livro esquecido na estante, tocado apenas por círculos de leitores restritos e curiosos do passado que foi banido do presente pela pressa da sociedade do futuro.

Ah! eurico não escrevia os hinos que ecoavam nas igrejas ou nos quartéis em dias santos. Sabemos nós, como nunca soube o povo de carteia, que eurico contemplava o espectáculo de uma pátria arruinada, contagiada pelo bafo mesquinho das paixões torpes, uma pátria que vendia a própria pátria. E o seu grito de cólera e amargura transformava-o ele em elegias de amor e de saudade e podia então chorar...

*Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero
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