sábado, 9 de junho de 2012

miraculosa

Não sei com que palavras posso encher este espaço que me habita. Serão talvez e apenas as palavras áridas do deserto sem oásis, uma manhã sem orvalho, uma luz branca que magoa o olhar sem horizonte. Estou sem sombra de mim e desconheço a forma que me enforma. Há muitos anos que caminho para o sol-pôr. Sou o meu tempo na queda do império ocidental, agora que se perdeu o rumo e o rumor se transformou em tempestade de areia infiltrada pelas frestas da porta empenada e das janelas carcomidas, e repousada nos lençóis, na toalha da mesa, no chão varrido pelo vento, na bandeira desbotada que drapeja nervosa e esfarrapada no egrégio mastro à beira quase plantada.

Neste vendaval estático agarro de uma canção distante a palavra miraculosa. Com ela vou descobrir o oásis, o orvalho, o horizonte. Recriar a sombra atrás de mim quando me aproximar da fímbria refrescante do mar e o sol soberano murmurar o beijo tranquilizante da despedida de mais um dia. Vou refazer o império, agora outro, da verdade e do valor essencial do ocidente, a liberdade profunda e primitiva que nenhum sistema poderá corromper. Miraculosa, a palavra afastará as areias, como as águas bíblicas, e deixar-me-á a serenidade da roupa perfumada e limpa nesta desalentada praia lusitana.

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