domingo, 6 de julho de 2008

canção do ícaro novo*

O silêncio invadiu as ruas. As janelas das casas continuam fechadas e os carros intactos na mudez dos passeios comprovam que apenas os sonhos povoam a noite prestes a despedir-se.
Na escuridão a terra respira mais alto e embala o sono. Ainda há poucas horas uma melodia arrastada e dolente acompanhava um homem de origem asiática que se abeirara do precipício. O lugar que ocupava devia permitir-lhe ver o alto e o baixo, o norte e o sul, o nascente e o poente. Como se sabe em casos semelhantes apenas via o poente e sorria feliz. Uma manta substituía as asas de cera quando franqueou o voo multiplicado em mil quedas infinitas e intermináveis de tantos filmes a cores e a preto e branco. A tragédia individual da descida ao céu tinha uma voz como almofada. Uma voz melíflua como convém ao espaço onírico demarcado pela cadência do piano: you can always be free. Só o eco gritava o desespero e o desencanto que o alto de uma torre ou uma janela colam a esta forma de liberdade e que o som cavo do corpo na calçada ou no tejadilho consubstancia em sangue, muito sangue salpicando incertezas: maybe not in the words, maybe not in look but with your mind.


2 comentários:

  1. ícaro queimou as asas...
    conheço um ícaro, oxalá não suba demasiado...

    bjs.

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  2. Pois, vamos conhecendo ícaros e, se o são, seguramente que queimam as asas.

    Beijinhos

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